Sexualidade da pessoa com deficiência: "
Na Unidade Curricular de Opção que está organizada por diferentes Módulos Temáticos optei pelo Módulo de Sexualidade da Pessoa com Deficiência, por ser um tema interessante e que para além de muito se explanar sobre ele, ainda é visto como um tabu.
Apesar de alguns avanços nesta temática, a sexualidade ainda é pouco discutida, quer nas escolas, hospitais, famílias e até na imprensa. E isto não é por simples preconceito, é mais o “mundo” não ter ainda capacidade de entender que muitos dos deficientes também se apaixonam, têm desejos e podem ter vida sexual.
A sexualidade continua, assim, a ser um tema bastante complexo. E quando se fala em sexualidade de pessoas com deficiência, o tema ainda se torna mais delicado, pois até à pouco tempo enfatizava-se a atenção na patologia e na deficiência com que a pessoa iria ficar e não se via a pessoa como um todo, que apesar de ser deficiente continua a ser pessoa com necessidades para as quais procura respostas adequadas.
Esta nova maneira de ver a pessoa com deficiência exige um redireccionamento dos serviços educacionais e terapêuticos. Devemos escutar estes doentes sobre o que eles sabem sobre a sexualidade e como é que eles lidam com a corporalidade, reprodução, valores comportamentais afectivos e sexuais, para os podermos ajudar a ultrapassar estas barreiras, encaminhando-os no sentido da sua autonomia com vista a uma reintegração sócio-familiar o melhor possível.
GRECO (2000, p. 647) diz-nos que: “O conceito de sexualidade humana engloba a forma como se pensa, sente e actua como um ser sexuado, necessidades e impulsos, expressões de virilidade ou de feminilidade, papéis associados aos géneros, interacções com os outros, identidade e desenvolvimento e funcionamento corporais.”
Esta autora diz-nos também que: “A palavra sexualidade diz respeito a todos os aspectos do ser sexual, incluindo as dimensões biológica, física, psicossocial e comportamental. Os factores biológicos controlam grandemente o desenvolvimento sexual, desde a concepção até ao nascimento, a capacidade de reprodução após a puberdade e algumas diferenças no comportamento e produzem respostas físicas como as dos órgãos sexuais ou o aumento da frequência cardíaca.
O lado físico da sexualidade afecta o desejo e o funcionamento sexual e pode afectar a satisfação sexual. A dimensão psicossocial, o sentido de identificação com o género, é formada através das informações e atitudes transmitidas pelos pais, colegas, professores e pela sociedade. Uma vez que o comportamento sexual é o produto de forças biológicas e psicossociais, orienta a razão e o modo de agir das pessoas e não o que fazem. Em última instância, a sexualidade de cada um é construída sobre a imagem corporal e autoconceito.” (p. 647)
A sexualidade humana é assim, parte integrante e vital do ser humano, tendo influência a interacção entre a pessoa e as componentes biológicas, culturais, educativas e sociais onde se encontra integrado.
Já THELAN (1993, p. 966) refere que: “A sexualidade é a expressão e a experiência individual e única do self sexual e erótico. È uma experiência global, que envolve corpo e espírito; faz parte do carácter da pessoa, também designado por personalidade. Expressar-se sexualmente, significa definir quem se é, e o que se sente, tanto de uma forma básica, como de uma forma mais profunda. A sexualidade é mais do que o reflexo da técnica e perícia da relação sexual; faz parte das relações interpessoais para e com os outros, ao longo da vida.”
Ao longo da História do homem, a sexualidade tem desempenhado um papel importante. Se recuarmos até à época Judaico-cristã, esta não valoriza o prazer da sexualidade, porque esta só era importante dentro do casamento que deveria ser monogâmico e indissolúvel. Assim, na tradição Judaico-cristã o propósito da actividade sexual era a procriação e havia diferentes papéis sexuais para os homens e para as mulheres.
Com a época Vitoriana começa a falar-se na insatisfação feminina, porque esta época é caracterizada pela moral burguesa com duplo padrão, ou seja, os tinham possibilidade de manter actividades sexuais fora do casamento. Este duplo padrão era tolerado e admitido pelas mulheres mas, nunca mencionado.
No século XX com o avanço no desenvolvimento da ciência, com os movimentos sociais e políticos, bem com os movimentos de emancipação da mulher, existe uma revolução sexual que aponta algumas das metas para o século XXI, tais como a dissociação entre procriação e a sexualidade e o direito à felicidade individual e do casal. (Graça Santos, Apontamentos)
Em 1975 a Organização Mundial de Saúde definiu Saúde Sexual como sendo”Uma integração dos aspectos somáticos, emocionais, intelectuais e sociais do ser sexual, de uma forma positiva, enriquecedora e que fortalecem a personalidade, a comunicação e o amor.”
Para GRECO (2000, p. 647) “Nesta definição estão incluídos três princípios: (1) a capacidade de uma pessoa para ter prazer com o comportamento sexual e reprodutor, de acordo com a ética pessoal e social; (2) libertação do medo, culpa, vergonha e informações erradas – os quais impedem um relacionamento sexual e inibem a resposta sexual; e (3) ausência de doenças orgânicas e incapacidades que constituam barreiras às funções sexual e reprodutora.”
Para além de Saúde Sexual, nós como profissionais de saúde e futuros enfermeiros especialistas de reabilitação também devemos saber o que é a resposta sexual, para depois desmistificarmos algumas situações e assumirmos tanto o papel de conselheiro, com o de educador.
“A resposta sexual consiste num fenómeno nervoso complexo que envolve todas as sub- divisões do sistema nervoso, incluindo aquelas que regulam a actividade endócrina. Para que exista uma função sexual normal é necessário que o sistema esteja totalmente integro e capaz de manter o equilíbrio homeostático. O desejo psicológico também tem de estar presente, para que exista um desempenho sexual satisfatório.” (GRECO, 2000,p. 650)
Perante todos os mitos que existiram sobre a sexualidade (e que ainda hoje existem) tornou-se imperioso que alguém se interessasse por estes temas. Entre muitos, o método mais conhecido sobre bases da resposta sexual humana e sobre a base da terapia sexual é o de Marters & Jonhson. O método estudado por este casal identifica quatro fases no ciclo de resposta sexual.
A fase de excitação pode ser psicológica ou física. Ela começa quando a pessoa percebe no início estar a ser sexualmente estimulada. Quer os homens quer as mulheres apresentam aumento: no tonus muscular, na frequência cardíaca, na pressão arterial e na frequência respiratória. Se a estimulação continuar no homem ocorre a erecção do pénis; na mulher a lubrificação vaginal começa com a continuação da estimulação. Se os estímulos cessarem, a fase seguinte não ocorrerá e o organismo volta ao estado inicial. Se a estimulação sexual entretanto continuar, a segunda fase começa.
A fase de platô (segunda fase) prolonga-se desde o términos da excitação até ao começo do orgasmo. Devido a influências neurovasculares, ocorre a congestão dos órgãos sexuais principais. Se a estimulação foi ineficaz ou cessar, o corpo mostrará uma redução gradual dos fenómenos fisiológicos que fazem parte desta fase. Com a continuação da estimulação eficaz começará a terceira fase.
O orgasmo é a terceira fase. Se não ocorrer desconforto psicológico ou físico, a pessoa progredirá através de um ou mais orgasmos. O orgasmo, normalmente dura 30 a 60 segundos, mas pode ir de alguns segundos até vários minutos. Mais frequentemente o homem ejacula durante o orgasmo e tem consciência de uma contracção rítmica dos seus músculos perineais. As mulheres também experimentam contracções rítmicas dos músculos pubococcígeos, e em ambos os sexos a contracção do esfíncter anal ocorre em sintonia com as contracções do assoalho pélvico. Imediatamente após o orgasmo, começa um período refractário durante o qual mesmo que haja estimulação não haverá excitação sexual adicional. A fase refractária pode demorar de minutos a dias, dependendo de factores tais como a idade e a intensidade da estimulação sexual. As mulheres têm curtos períodos refractários e podem ser multiorgasmicas.
A quarta fase é denominada fase de resolução. Nesta, o organismo retorna ao estado de pré-estimulação e relaxa.
A incapacidade de atingir o orgasmo é muitas vezes comparada à disfunção sexual. Contudo, como pode ser observado pela descrição do ciclo de resposta sexual (atrás descrito) pode ocorrer disfunção em qualquer fase do ciclo. Educar as pessoas acerca da sua fisiologia natural e quais as suas responsabilidades no ciclo de resposta sexual encorajando-os a terem conforto consigo mesmos e com a sua sexualidade. Este ensino pode ser terapêutico para as pessoas com ou sem incapacidades físicas. (COLE, 1994)
Uma pessoa pode passar de um estado “normal” da sua sexualidade para um estado dito “anormal” num abrir e fechar de olhos, pois face a um dano corporal irreversível torna essa pessoa “deficiente”. E numa pessoa com deficiência teremos de ter em atenção, que a nível das consequências fisiológicas que podem interferir na sexualidade, existem alguns aspectos que devemos estar pesquisar: efeitos gerais sobre o organismo (conferindo particular atenção às alterações neurológicas), impacto directo ou indirecto sobre a função genital, complicações secundárias, tipo de evolução, efeitos iatrogénicos e doenças concomitantes. (CARDOSO, 2003)
”No que concerne aos factores psicológicos susceptíveis de influenciarem a sexualidade do sujeito com deficiência física, principalmente quando esta foi adquirida, importa ter em conta: o tipo de estratégias mobilizadas no confronto com a perda ocorrida, as percepções de auto-estima, auto-conceito, auto-imagem corporal, auto-eficácia a auto-controlo; as perturbações depressivas e ansiosas; papéis de género; oportunidades de envolvimento sexual e reactividade do/a parceiro/a sexual.
Simultaneamente, não podemos negligenciar a influência dos aspectos sociais. A assunção, fortemente enraizada, da sexualidade na deficiência como uma ausência, emerge a partir do estereótipo de que o indivíduo deficiente é assexuado”. (CARDOSO, 2003, p. 504)
A presença de uma incapacidade física pode trazer desconforto e ansiedade no paciente e seus familiares. Para COLE (1994, p. 979) “a falta de disposição de um paciente para falar acerca da sexualidade não significa necessariamente desinteresse. A falta de disposição pode significar que o paciente está ansioso ou temeroso sobre as implicações sexuais da incapacidade física. (…) O grau ao qual uma incapacidade física provoca deficiência é relativo a cada situação e papel social. Nem todas as pessoas percebem a mesma incapacidade como particularmente determinadora de deficiência, especialmente no que se refere à sexualidade. Uma condição física que não é necessariamente incapacitante ou provocadora de deficiência pode assim se tornar devido à estigmatização social.”
Daí ser importante por parte dos médicos e enfermeiros fazer uma boa avaliação da disfunção sexual e estabelecer-se objectivos de intervenção seleccionando-se as modalidades terapêuticas mais eficazes. Existem algumas modalidades terapêuticas em que os médicos se podem basear para avaliar a disfunção sexual dos pacientes, mas o mais utilizado é o Modelo Plissit. Este modelo foi sugerido por Annon em 1976 e é baseado em quatro níveis:
Nível I – Permissão – é o nível no qual o médico gera uma atitude na qual a pessoa com incapacidade sente permissão para expressar e discutir preocupações sexuais, tais como: sentimentos de culpa face ao prazer sexual, masturbação vivenciada como prática inadequada quando existe parceiro sexual e práticas de sexo oral ou anal experimentadas de forma ambivalente (prazer /contra-natura).
A ideia aqui é de facto informar, assegurar ou desculpabilizar sentimentos de culpa ou dúvidas. O doente sente que tem menos poder que o técnico e isso advém do reconhecimento do técnico, do seu saber específico, como detentor do saber para haver melhorias na qualidade de vida por parte do sujeito.
Nível II – Informação Limitada – transmissão de informação clara e concisa sobre determinados aspectos da relação sexual humana, assim como esclarecimento de mitos ou de crenças. Estes esclarecimentos podem ser, entre outros, acerca da importância da estimulação prévia ao coito, tamanhos dos genitais, orgasmos simultâneos e medos.
Nível III – Sugestões Específicas – este nível envolve uma filtragem dos dois níveis anteriores, remetendo para instruções terapêuticas articuladas de acordo com o quadro clínico. Sugerem-se técnicas de estimulação ou modificações comportamentais, com o objectivo de solucionar o problema colocado. Por exemplo: explicação do ciclo vicioso de ansiedade (estratégias de controlo), promoção de comunicação e assertividades sexuais, uso de técnicas de auto-exploração e auto-estimulação, utilização de posições sexuais mais compatíveis com determinados objectivos e estratégias de parar/recomeçar ou de compressão (ejaculação prematura).
Estes primeiros três níveis são designados por aconselhamento sexual e requer que o técnico esteja à vontade com a sua própria sexualidade, permitindo-lhe falar sobre o tema sem constrangimentos; que tenha conhecimentos básicos em sexologia clínica, designadamente sobre relação sexual humana e as perturbações; que utilizem linguagem clara, simples e adequada ao interlocutor. O enfermeiro, como técnico não especializado na área, pode e deve conseguir ir até este terceiro nível.
Nível IV – Terapia sexual – é o nível da terapia intensiva, que requer formação específica em sexologia clínica e treino em terapia sexual. (Jorge Cardoso – apontamentos)
Para COLE (1994,p.995/6) este quarto nível “é fornecido por profissionais que foram profundamente treinados em aconselhamento sexual e que também compreendem incapacidades físicas. A terapia intensiva muitas vezes envolve questões intra pessoais e psicológicas e frequentemente exige aconselhamento sobre relacionamento. Ele vai bem além do fornecimento de permissão, informação limitada ou mesmo sugestões específicas. Ele implica uma compreensão completa e treinamento em psicodinâmica, especialmente no que se relaciona com a sexualidade. Também implica uma compreensão completa das incapacidades físicas, reabilitação médica e reacções pessoais e da família à incapacidade no ambiente de reabilitação.”
Daí que, a reabilitação sexual do deficiente deverá constituir uma das áreas a desenvolver nos programas de reabilitação, contrariando a ideia de que estes estão direccionados para a área funcional e do movimento (CARDOSO, 2003).
Este autor, considera que “a reabilitação sexual – que poderá contemplar patamares de informação, aconselhamento e/ou terapia sexual propriamente dita – deveria constituir uma das valências do programa reabitacional perspectivada (individualmente e/ou na companhia do parceiro sexual) para a promoção de uma nova atitude em relação à sexualidade e para uma redefinição criativa dos interesses iniciativas e comportamentos sexuais.” (…) “A readaptação sexual pós deficiência, depende em grande parte, do reconhecimento de que o envolvimento e a satisfação sexuais continuam a ser possíveis sem que a ênfase seja obrigatoriamente colocada no acto sexual enquanto coito.” (p.508)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Apontamentos das aulas do Módulo de Opção – Sexualidade da Pessoa com Deficiência, dadas pela Doutora Graça Santos, no âmbito do curso de Pós-licenciatura de Especialização em Enfermagem de Reabilitação da Escola Superior de Enfermagem de Bissaya Barreto. Coimbra. Ano lectivo de 2006/2007.
Apontamentos das aulas do Módulo de Opção – Sexualidade da Pessoa com Deficiência, dadas pela Doutor Jorge Cardoso, no âmbito do curso de Pós-licenciatura de Especialização em Enfermagem de Reabilitação da Escola Superior de Enfermagem de Bissaya Barreto. Coimbra. Ano lectivo de 2006/2007.
CARDOSO, Jorge – Sexualidade e Deficiência Física. In: FONSECA, Lígia; SOARES, Catarina; VAZ, Júlio Machado – A Sexologia – Perspectiva Multidisciplinar I. Quarteto Editora.2003.ISBN: 989-558-015-0.
COLE, Theodore M.; COLE, Sandra S. - Reabilitação de Problemas da Sexualidade nas Incapacidades Físicas. In: LEHMANN, Justus F. ; KOTTKE, Frederic J. – Tratado de Medicina Física e Reabilitação de Krusen. 4ª ed. Volume 2 São Paulo: Editora Manole. 1994.
GRECO, Susan B. – Educação e Aconselhamento Sexual. In: HOEMAN, Shirley – Enfermagem de Reabilitação. Aplicação e Processo. 2ª ed. Loures. Lusociência. 2000. ISBN: 972-8383-13-4.
THELAN, Lynne A.; e tal – Enfermagem em Cuidados Intensivos. Diagnóstico e Intervenção. Lusodidacta. 1993. ISBN: 972-95399-1-x.
fonte:http://www.nutrices.com/2011/04/sexualidade-da-pessoa-com-deficiencia.html
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