Tecnologias de vanguarda incorporadas ao diagnóstico e ao tratamento de doenças coronárias resultam em procedimentos mais seguros e menos invasivos, e ainda facilitam a identificação precoce de riscos e a recuperação de pacientes.
As doenças cardiovasculares são a primeira causa de mortes no mundo, respondendo por quase 30% dos óbitos registrados ao redor do globo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada ano aproximadamente 17 milhões de pessoas perdem a vida em decorrência dessas enfermidades. Desse total de mortes, 7,2 milhões se devem às doenças coronárias, provocadas principalmente pelo acúmulo de gordura e cálcio nas artérias. Essa condição pode levar à obstrução parcial ou total do fluxo sanguíneo das artérias coronárias, provocando angina (dor no peito), infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca e até morte súbita. A OMS estima que em 2030 as doenças cardiovasculares responderão por 23,6 milhões de óbitos por ano. No Brasil, o cenário não é diferente. Os Cadernos de Informação de Saúde, que reúnem indicadores obtidos nas diversas bases de dados do Ministério da Saúde, mostram que, em 2008, as doenças do aparelho circulatório foram responsáveis por 31,8% das mortes registradas no País. O coeficiente de mortalidade por infarto agudo do miocárdio passou de 35,2 em cada cem mil habitantes em 2002 para 39,3 em 2008. A boa notícia é que a medicina tem revolucionado o diagnóstico e o tratamento das doenças coronárias, com a incorporação de tecnologias e procedimentos mais eficientes e seguros e menos agressivos ao organismo. As novas técnicas trazem ganho de eficácia na identificação precoce de doenças, evitando sua progressão e melhorando a recuperação e a qualidade de vida do paciente.
“A incorporação dessas novas tecnologias na prática clínica exigirá que, cada vez mais, o cardiologista tenha uma visão ampla da doença e das expectativas do paciente. Isso resultará na individualização do tratamento e na seleção da tecnologia mais adequada para cada caso, garantindo os melhores resultados clínicos”, diz a Dra. Márcia Makdisse, Gerente do Centro de Cardiologia do Hospital Israelita Albert Einstein.
Avanços na medicina nuclear
Um dos mais avançados recursos de diagnóstico para doenças coronárias é a cintilografia de perfusão miocárdica. O exame, conhecido como MIBI (sigla de meta isobutil isonitrila marcada com tecnécio, o radiofármaco mais usado no teste), avalia aspectos funcionais das alterações provocadas pelas obstruções das coronárias.
A técnica, validada por estudos realizados em milhares de pacientes no mundo, é considerada a melhor par
a diagnosticar precocemente e com alta precisão isquemias (interrupção no suprimento sanguíneo) no músculo cardíaco decorrentes de obstruções das artérias coronárias, que podem levar ao infarto do miocárdio. Também é importante para controle em pessoas com doenças coronárias crônicas ou que passaram por cirurgia de ponte de safena.
O procedimento é simples: o paciente recebe injeções do radiofármaco em repouso e após estresse físico ou farmacológico. Essa substância é transportada pelas artérias coronárias até o músculo cardiáco. Se houver obstrução parcial das coronárias, o radiofármaco não chega à área de irrigação correspondente do miocárdio, identificando que, nesse local, há uma isquemia. O registro de imagens é feito por equipamentos específicos, as gama-câmaras ou câmaras de cintilação.
Um exame normal em pacientes sem riscos adicionais associados afasta em mais de 98% a possibilidade de o paciente vir a ter um problema cardíaco importante nos próximos 12 meses
“As grandes vantagens desse método são a identificação das áreas de isquemia com muita sensibilidade e a alta capacidade para detectar pequenas alterações que possam indicar o início de uma doença”, comenta o Dr. Jairo Wagner, coordenador do Serviço de Medicina Nuclear e do Departamento de Imagem do Hospital Israelita Albert Einstein. “Um exame normal em pacientes sem riscos adicionais associados afasta em mais de 98% a possibilidade de o paciente vir a ter um problema cardíaco importante nos próximos 12 meses.”
Avaliar os aspectos funcionais das alterações nas coronárias, segundo ele, é fundamental para determinar a conduta médica. “Às vezes, o paciente tem uma obstrução arterial de 60% a 70%, mas não apresenta isquemia, porque desenvolveu mecanismos compensatórios de circulação sanguínea”.
A mais moderna tecnologia, nessa área, é a câmara com sistema de detectores semicondutores (CZT), que possibilita exames mais rápidos, com menores doses de radiação, mais conforto ao paciente e qualidade de imagens ainda melhores. O tempo médio habitual para a realização do exame, que era de quatro a seis horas, foi reduzido para duas horas. A dose de radiação recebida pelo paciente diminuiu três vezes em relação à tecnologia anterior.
Última palavra em angiotomografia
A tomografia ganhou espaço na cardiologia na última década e vem evoluindo rapidamente. Hoje, um dos recursos de vanguarda nessa área é a angiotomografia das artérias coronárias com equipamento dotado de 320 fileiras de detectores. “A imagem é perfeita e permite enxergar alterações coronárias muito antes que elas apareçam no teste ergométrico”, afirma o Dr. Cesar Nomura, responsável pelas áreas de tomografia e ressonância cardíaca do Hospital Israelita Albert Einstein.
O benefício da angiotomografia é significativo, pois o teste ergométrico identifica a obstrução quando ela atinge 70% do vaso. Em geral, nesse percentual o tratamento já envolve cirurgia ou angioplastia. Detectar a obstrução antes que ela chegue a esse ponto é fundamental para a adoção de procedimentos clínicos que evitem o agravamento.
Além de qualidade de resolução, a nova tecnologia reduziu o tempo de captação de imagens de dez para um segundo, em relação à versão anterior do equipamento (de 64 fileiras de detectores). A quantidade de contraste injetado também diminuiu, assim como a dose de radiação recebida pelo paciente, que é cinco vezes menor com a nova tecnologia.
A angiotomografia é o método mais sensível e pouco invasivo para identificar calcificações nas coronárias. O exame, contudo, não substitui o cateterismo em pacientes de alto risco. “Cada vez mais, o método deve anteceder o cateterismo, evitando o uso do método invasivo em pessoas com menos chance de apresentar problemas”, diz o Dr. Nomura.
A angiotomografia é o método mais sensível e pouco invasivo para identificar calcificações nas coronárias
Cirurgia minimamente invasiva
A cirurgia cardíaca vive um período de grandes mudanças, com a incorporação de técnicas mais seguras, que agridem menos o organismo e aceleram a recuperação do paciente. Os procedimentos minimamente invasivos são o que há de melhor nessa área. Em todo o mundo, avançam rapidamente as técnicas para correção de problemas cardíacos graves com pequenas incisões, que em nada lembram a cicatriz de 30 centímetros ou o lento processo de recuperação das pessoas que fazem a operação tradicional.
As cirurgias minimamente invasivas são empregadas na cardiologia há cerca de dez anos, nos Estados Unidos e em outros países do primeiro mundo. No Brasil, começaram a ser realizadas a partir de 2007. São usadas para tratar doenças coronarianas, doenças das válvulas do coração, algumas cardiopatias congênitas, tumores cardíacos e arritmias cardíacas.
Robôs na sala de cirurgia
Os especialistas são unânimes em apontar a tendência de um desenvolvimento ainda mais acelerado das cirurgias minimamente invasivas em procedimentos de alta complexidade com o uso da robótica. A técnica, que envolve a utilização de um robô, cujos braços são manipulados pelo cirurgião a partir de um painel de controle, garante altíssimo grau de precisão. Entre outras vantagens, o equipamento exclui possíveis tremores das mãos do médico, garante mais segurança e uma recuperação mais rápida ao paciente.
“Em breve, será possível realizar duas a três pontes de safena com o peito fechado e o coração batendo, por meio de pequenas incisões”
No Brasil, a cirurgia cardíaca robótica começou a ser utilizada no início de 2010 na correção de doenças das válvulas do coração, algumas cardiopatias congênitas e arritmias cardíacas. No tratamento de doenças coronárias, essa técnica apresenta uma perspectiva muito promissora.
As cirurgias minimamente invasivas de coronárias com o auxílio de robôs começaram na década de 90 nos Estados Unidos e na Alemanha. A evolução da tecnologia possibilitou avanços na técnica cirúrgica, tornando possível o tratamento das doenças coronarianas via robótica com eficiência cada vez maior. Hoje a revascularização do miocárdio utilizando a técnica da cirurgia robótica já é realizada em alguns centros dos Estados Unidos.
“Em breve, será possível realizar duas a três pontes de safena com o peito fechado e o coração batendo, por meio de pequenas incisões”, afirma o Dr. Robinson Poffo, coordenador do Centro de Cirurgia Cardíaca Minimamente Invasiva e Robótica do Hospital Israelita Albert Einstein, responsável pela introdução das cirurgias cardíacas minimante invasivas no Brasil.
Angioplastia coronária
Uma das áreas da cardiologia que mais tem evoluído é a angioplastia coronária, técnica que usa um cateter para inflar um minúsculo balão e uma pequena tela de aço (stent) dentro da artéria obstruída, facilitando o fluxo de sangue. Desde 2002, essas intervenções são feitas com stents farmacológicos, que liberam medicamentos aos poucos, evitando o entupimento da artéria.
“A técnica reduziu significativamente a quantidade de cirurgias de peito aberto”, afirma o Dr. Marco Antonio Perin, chefe da área de intervenção cardiovascular e neurológica do Hospital Israelita Albert Einstein e supervisor do setor de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo. “Na década de 2000, fazíamos, em média, seis angioplastias para cada cirurgia de ponte de safena. Hoje, fazemos 18 a 20 angioplastias para cada cirurgia”, informa ele.
Estudos realizados em vários países têm acompanhado pacientes para mensurar a evolução do tratamento. “Os resultados têm sido muito bons, comprovando a segurança e a eficácia do sistema em infarto agudo do miocárdio”, reforça o Dr. Perin.
Recentemente, foi aprovado na Europa o stent bioabsorvível, uma inovação que pode contribuir para evitar o processo de reação ao stent verificado em alguns pacientes. Esse processo, conhecido como reestenose, provoca crescimento da parede do vaso e estreitamento da artéria.
“O implante de stents farmacológicos se transformou em uma realidade para um grande número de pacientes, propiciando um tratamento menos agressivo, com alto índice de sucesso, curto período de internação hospitalar, rápida volta às atividades do dia a dia e ótimo prognóstico no curto e longo prazos”, comenta o Dr. Bernardino Tranchesi, professor livre-docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Cirurgia, stent ou terapias híbridas?
Há vários anos, discute-se se a melhor técnica para tratar pacientes com problemas coronários é a angioplastia ou a intervenção cirúrgica convencional para revascularização (ponte de safena ou mamária) e reconstrução do ventrículo.
Desde 2007, o Syntax, estudo que envolve cerca de 70 centros de referência em cardiologia no mundo, vem analisando um grupo de doenças coronárias complexas. A primeira parte do estudo abrangeu um levantamento com 1,7 mil pessoas que foram operadas ou submetidas à angioplastia. O estudo se estenderá até 2012, mas, nos primeiros anos de acompanhamento, têm sido constatados bons resultados da angioplastia nos casos mais simples. No entanto, nos casos mais complexos a cirurgia cardíaca continua sendo a solução mais adequada.
“Não está longe o dia em que serão usados robôs para fazer algumas pontes, enquanto as demais artérias entupidas poderão ser abordadas por meio da angioplastia, tudo em uma mesma cirurgia”
“O que tem sido visto em muitos estudos é que, com o passar do tempo, a cirurgia apresenta benefícios mais prolongados.Com menor risco inicial, a angioplastia apresenta mais complicações com a evolução do tempo”, comenta o Dr. Sérgio Almeida de Oliveira, professor emérito da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Por isso, segundo ele, a melhor indicação para cada paciente deve ser fruto da discussão conjunta entre o cardiologista, o hemodinamicista e o cirurgião, sempre com a participação do próprio paciente.
Como destaca o Dr. Bernardino Tranchesi, nesse processo, os modernos recursos diagnósticos são aliados importantes. “Eles são de grande valia tanto no diagnóstico quanto na qualificação da doença arterial coronária”, afirma ele, citando como exemplos a cintilografia de perfusão do miocárdio e a angiotomografia das artérias coronárias. “Esses exames possibilitam conhecimento da anatomia coronária e possíveis obstruções antes de se indicar até mesmo um cateterismo”, ressalta o Dr. Tranchesi.
Para o Dr. Robinson Poffo, o futuro são as terapias híbridas, com técnicas menos invasivas. “Não está longe o dia em que serão usados robôs para fazer algumas pontes, enquanto as demais artérias entupidas poderão ser abordadas por meio da angioplastia, tudo em uma mesma cirurgia”.
Uma nova abordagem clínica
Segundo o Dr. Marcos Knobel, coordenador da Unidade Coronária do Hospital Israelita Albert Einstein, um fator importantíssimo no atendimento ao paciente com doença coronária é o tempo “porta-balão”, ou seja, o tempo decorrido entre a chegada ao hospital até a desobstrução da artéria. O tempo preconizado internacionalmente pelas melhores instituições de saúde é de 90 minutos.
“De nada adianta uma estrutura de ponta se o paciente chega ao pronto-socorro e demora horas para realizar os procedimentos. É preciso ter um atendimento bem estruturado, além de enfermagem e equipe médica bem treinadas. Minutos, nesse caso, podem fazer toda a diferença. O benefício ao paciente é proporcional à velocidade com que ele é atendido”, diz o Dr. Marcos Knobel.
Cardiologista da Unidade Clínica de Coronariopatia Aguda do Instituto do Coração e professor livre-docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o Dr. Carlos Serrano, por sua vez, aponta o diagnóstico precoce e a correção de fatores que levam às doenças como fundamentais para prevenir o agravamento dos problemas coronários.
“As enfermidades cardiovasculares estão mudando seu perfil. As pessoas estão mais conscientes dos principais fatores de risco. Por outro lado, começam a surgir doenças que não existiam há vinte anos”, afirma ele. Entre as causas, estão a obesidade e o aumento das neoplasias (alterações celulares malignas ou benignas) e de tratamentos quimioterápicos, que influenciam a saúde do coração.
O estudo Interheart, que avaliou a importância dos fatores de risco para o infarto do miocárdio em 262 centros médicos de 52 países, nos cinco continentes, identificou nove fatores que explicaram mais de 90% do risco para infarto do miocárdio. Anormalidades no colesterol e tabagismo representaram mais de dois terços do risco. Também foram importantes o diabetes, a hipertensão arterial e questões psicossociais (estresse e depressão). “São fatores modificáveis, que podem ser corrigidos com medicação ou mudança no estilo de vida”, salienta o Dr. Serrano. Os riscos não modificáveis incluem histórico familiar, idade e sexo. Indicadores de mortalidade brasileiros e internacionais mostram uma significativa prevalência de risco cardiovascular na população masculina. São questões que precisam ser investigadas. Mas, como observa o cardiologista, a medicina conta hoje com exames pouco invasivos, que devem ser feitos nas pessoas que apresentam esses fatores de risco. Prevenir é sempre o melhor caminho. Mas, quando necessário, a medicina também tem avançado de maneira importante nos tratamentos, com recursos e técnicas inovadoras, mais eficientes e menos invasivas.