Residência é o segundo vestibular de quem escolhe Medicina
Provas de seleção para especialização médica têm alta concorrência e taxas de inscrição que passam dos R$ 600
Marina Morena Costa, iG São Paulo
Como se não bastasse ser a carreira mais
concorrida em vestibulares do Pais –, e os longos 6 anos na faculdade , tem mais uma peneira pela frente: os concursos de acesso à
residência médica – pós-graduação que especializa o médico em uma
determinada área. A concorrência é acirrada e nesta etapa as taxas de
inscrição encarecem, variam entre R$ 300 e R$ 600.
Ao terminar a faculdade, o profissional pode atuar como médico
generalista em hospitais ou unidades básicas de saúde, no Programa Saúde
da Família (PSF), com salários que chegam a R$ 9 mil. Se ele quiser
aprofundar os estudos e desempenhar uma especialidade, como cirurgia,
ortopedia, psiquiatria, etc., precisa ingressar em um programa de
residência, que oferece bolsa mesal de R$ 2.384, por um período de dois
anos. Os famosos salários altos só são conquistados depois de concluída a
residência.
Segundo dados do Ministério da Educação (MEC), em 2010, foram
oferecidas 11.263 vagas de ingresso em 3.514 programas de residência
credenciados pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM). No ano
anterior, se formaram 11.881 profissionais em cursos de Medicina. Apesar
dos números não serem discrepantes, forma-se um o funil, porque a
maioria dos médicos prefere fazer residência em hospitais universitários
públicos, centros de referência em pesquisa, tecnologia e ensino.
Concorrência acirrada
Nos hospitais universitários públicos de São Paulo, administrados
pela USP, Unicamp, Unesp, Santa Casa e Unifesp, a concorrência pelas
especialidades mais disputadas, como Dermatologia e Neurocirurgia,
chega a 30 candidatos por vaga. Número próximo ao registrado na Fuvest
para ingresso no curso de Medicina da USP: 49.
Farize Murad estuda há dois anos para passar em um programa de residência em Dermatologia
Farize Murad, de 25 anos, se formou em 2009 na Universidade de
Santo Amaro (Unisa), instituição particular. Há dois anos ela estuda no
cursinho preparatório para médicos SJT para ingressar na residência em
Dermatologia de um hospital público. “A concorrência é muito grande.
Estudei na faculdade mais as doenças, não como descobrir o que o
paciente tem, que é o que as provas exigem”, diz.
No 6º e último ano de Medicina da Universidade de Mogi das Cruzes
(UMC), Ronan Cipolla Hoffmann, de 25 anos, resolveu fazer cursinho ao
perceber que seus colegas ingressaram no preparatório ainda no 5º ano.
“Medicina é difícil em todos os aspectos: entrar, cursar – estudo
integral e exigente, livros caros –, pagar – a minha mensalidade está em
R$ 3,8 mil – e depois ainda tem a residência”, enumera. Para ele, o
cursinho funciona como uma grande revisão, que resgata conceitos vistos
desde o 1º ano de forma “organizada”.
Raimundo Araújo Gama, coordenador acadêmico do SJT, afirma que alguns
estudantes chegam a desistir da especialidade que pretendiam por causa
da concorrência acirrada. “São poucas vagas para um grande número de
alunos que deseja fazer residência. Algumas especialidades são muito
concorridas e oferecem menos de seis vagas”, destaca.
Já Henrique Ribeiro, 25 anos, residente do primeiro ano de
Psiquiatria no Hospital das Clínicas (USP), não teve dificuldades.
Formado pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo,
ele foi aprovado "de primeira" na residência da instituição onde estudou
e da USP. “Passei sem fazer cursinho, mas estudei bastante e usei o
material deles, que amigos me emprestaram”, conta. Henrique afirma que
foi um dos únicos de sua turma de 96 alunos a rejeitar um curso
preparatório: “Queria me testar”.
Ronan Hoffmann quer se especializar em cirurgia-geral e começou o cursinho no último ano de Medicina
Apesar de conhecer os professores, profissionais e todo o
funcionamento da Santa Casa, Henrique preferiu fazer residência no
Hospital das Clínicas. O porte do maior hospital do País e a tradição na
área de psiquiatria foram decisivos para a escolha.
Professor da Faculdade de Medicina da USP e um dos responsáveis pela
seleção de residentes, Heráclito Barbosa de Carvalho afirma que os
processos seletivos não são difíceis. O problema é a falta de vagas para
especialização. “Muitas faculdades particulares não oferecem residência
médica, não têm hospitais próprios e fazem convênios. Quando os alunos
se formam, procuram os hospitais públicos”, explica.
Jornada “puxada”
Amanda Freitas, de 24 anos, está no 3º ano de Medicina da Santa Casa,
e conta que a residência é uma preocupação desde o vestibular. Após se
formar, ela pretende esperar dois anos para ingressar na especialização.
“Quero trabalhar, juntar dinheiro e depois encarar a residência, que é
bastante puxada. Há plantões de mais de 24 horas e não dá para
engravidar nessa fase, por exemplo”, pondera.
De acordo com o estatuto da Comissão de Residência Médica da Faculdade de Medicina da
USP (Coreme), os residentes devem fazer uma jornada de 60 horas
semanais. Mas estudantes relatam que só os plantões de áreas “mais
puxadas”, como Clínica Médica e Ortopedia, ultrapassam o limite de
horas. “Não existe denúncia deste tipo no HC. Ouve-se falar (em jornadas
abusivas), mas é preciso que o residente faça uma reclamação para que
isso seja apurado”, relata o professor Heráclito.
Má formação
O último
exame do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp),
aplicado a estudantes formandos em Medicina no Estado, registrou o pior
resultado de sua história na prova prática: 68% foram reprovados. Para o
professor Heráclito da USP, as faculdades deixam para a residência toda
a carga de aprendizado prático do médico, principal conhecimento
exigido na prova de seleção, que cobra a resolução de casos clínicos.
Cirurgião e professor do cursinho STJ há 10 anos, Marcos Loreto
avalia que as faculdades de Medicina deixam muito a desejar quanto a
formação dos médicos. “Os alunos chegam com problemas básicos de
conteúdo, não conhecem anatomia”, afirma. Marcos avalia que falta
treinamento prático aos estudantes, principalmente em faculdades que não
têm um grande hospital universitário.
Para o professor Heráclito, a residência deveria ser um pré-requisito
básico para os médicos exercerem a profissão, pois é uma complementação
da formação acadêmica básica. “Temos médicos recém-formados no setor
público, que, na verdade, estão ‘treinando’ na prática. Isso é muito
perigoso”, avalia.
Foto: Marina Morena Costa
Aula do cursinho SJT: professor Marcos explica como fazer uma avaliação de um paciente após uma operação
Números dos últimos concursos de acesso à residência médica em São Paulo:
Hospital das Clínicas de São Paulo (USP)
Taxa de inscrição: R$ 620
Especialidades mais concorridas:
Oftalmologia: 9 vagas, 115 inscritos, 12,58 candidatos/vaga
Neurocirurgia: 6 vagas, 69 inscritos, 11,50 candidatos/vaga
Radiologia e diagnóstico para imagem: 19 vagas, 201 inscritos, 10,58 candidatos/vaga
Otorrinolaringologia: 10 vagas, 103 inscritos, 10,30 candidatos/vaga
*O concurso realizado em 2010 foi o com maior número de vagas desde
2007, o que diminuiu a concorrência. Em outras edições, Dermatologia
registrou entre 25 e 30 candidatos por vaga
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP)
Taxa de inscrição: R$ 480
Especialidades mais concorridas:
Neurocirurgia: 2 vagas, 53 inscritos, 26,5 candidatos/vaga
Dermatologia: 4 vagas, 93 inscritos, 23,25 candidatos/vaga
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp)
Taxa de inscrição: R$ 495
Hospital de Clínicas da Unicamp
Taxa de inscrição: R$ 330
Hospital da Unifesp
Taxa de inscrição: R$ 450
postagem adaptada de : http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/residencia+e+o+segundo+vestibular+de+quem+escolhe+medicina/n1597095968235.html