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3 de mai. de 2011

Grandeza e um pouco de coragem - UOL Blog


A DIFÍCIL BUSCA PELA CIDADANIA
Ou: 5 LIÇÕES PARA DESMERECER A AÇÃO POLÍTICA POPULAR
Alysson Luiz Freitas de Jesus
Na democracia, sobretudo nas últimas décadas do século XX e início desse século XXI, ficou cada vez mais difícil percebermos práticas ligadas à ação política popular. O indivíduo cada vez menos se preocupa com interesses de caráter coletivo, que possam beneficiar a maioria ou mesmo determinados grupos, dos quais outros não fazem parte. Enfim, cada vez menos o “olhar” sobre o outro é realizado.
O século XX nos conduziu a esse panorama. Eric Hobsbawm, o maior historiador vivo dos últimos tempos, nos colocou diante de um século de extremos, onde as guerras nos desafiaram com milhões e milhões de mortes, mas, por outro, trouxeram evoluções tecnológicas e materiais. Junto à bomba atômica vieram as batedeiras de bolo, as geladeiras, a internet e as batatas fritas. Ah, as batatas fritas... O homem se acostumou com um novo estado de bem estar social, fazendo com que as nossas prioridades passassem a ser outras, cada vez menos coletivas, cada vez mais encimesmadas.
Conseqüência: somos cada vez menos cidadãos. Distantes da absoluta necessidade de guiar os nossos destinos, por meio dos nossos desejos. E o mais triste: quando nos convencemos que devemos nos unir e lutar, muitas são as estratégias do “poder” para desmerecer a ação política popular. Em um total desrespeito pelo povo, exercido por prefeitos, governadores, deputados e até presidentes, é notável como a ação do povo cada vez mais é tratada como interesses de “forças ocultas”.
Bem, para os políticos que ainda não sabem como tratar o interesse coletivo do povo com desdém, segue um manual, com cinco lições, aprendidas por mim depois de experiências que vi nesses últimos anos, tendo como “professores” o ex-governador do meu Estado (Minas Gerais) e o prefeito da minha cidade (Montes Claros). Advertência: o manual não é uma camisa de força, mas, se seguido em suas essências pode render frutos excelentes.
1 – Trate o povo, em sua manifestação coletiva, como um “grupinho de gatos pingados”. Mesmo que muitas vezes pareça muita gente, quem sabe até milhares, o segredo é diminuí-los matematicamente, o que possibilitará diminuí-los também ideologicamente e moralmente. Reduza 2000 para centenas, 500 para dezenas, e 30 para “meia dúzia”. Assim, quem ali poderá representar o povo?
2 – Pense nas manifestações políticas populares como um exercício da democracia, e elogie, de vez em quando. Entretanto, somada a essa estratégia que o fará um grande homem consciente do poder da democracia, use expressões que qualifiquem o grupo como “violento”, “desconexo” e até mesmo “interesseiros”, “pára-quedistas”. Se você usar o termo “forças ocultas” não conseguirá muito impacto, mas lembrará que na História tantos outros foram vítimas, como o pobrezinho do Vargas, que atirou em seu peito depois de pressões invisíveis da oposição... Ah, aqui não se sugere o suicídio ao político, mesmo porque, com essa atitude, o máximo que conseguirá é ser transformado em um messias, o que no final das contas não representa muita coisa para a política, tanto quanto representa para a religião.
3 – Ignore os pedidos do povo. Mesmo que todos saibam da humilhação passada pelo cidadão em postos de saúde municipais e hospitais pelo país. Mesmo que todos tenham consciência das dificuldades sociais do povo frente aos seus interesses mais básicos, como uma cidade mais limpa e com trânsito caótico. Ou mesmo que todos tenham plena consciência da miséria e da incapacidade da educação municipal e estadual funcionar. Não importa. Ignore. Logo o povo esquecerá até mesmo do que deseja.
4 – Se apegue a um instrumento valioso dos séculos XX e XXI: a propaganda. Nada foi mais valioso à política nas últimas décadas do que o poder de manipulação da comunicação, da imprensa escrita à falada, do rádio à TV. Se a cidade estiver suja, convoque dezenas de garis felizes, limpe e filme. Se os postos de saúde não têm remédios, mande caixas e mais caixas abarrotarem as prateleiras, junto a funcionários bem vestidos e sorridentes, e filme. Se o esporte e o lazer vão mal, coloque 5 ou 50 mil pessoas em ginásios, torcendo por times de vôlei, de peteca, de futebol ou de queimada, e filme. Filme, filme tudo... Pessoas sorrindo e felizes, como nunca foram.
5 – E por último: seja cínico. Muito cínico... O máximo que puder. Misture um pouco com a ironia ou mesmo o sarcasmo. Mas só um pouco, para não beirar a banalização do recurso. E seja cínico! Não se faz política sem cinismo. Nada melhor do que tratar a dor dos outros com desdém, com um sorriso provocante e avassalador, para que o povo reconheça em você, nobre político, a arte do ser superior, daquele que está acima do bem e do mal, do tocado, do intocável, do ungido. Sorria e trate tudo com naturalidade, afinal, amanhã há de ser outro dia... E a memória há de apagar aqueles pequenos riscos na sua imagem imaculada...
E a nós, o que nos resta? O ano de 2011 é um novo ano eleitoral, mais um ano de promessas e novos projetos para o futuro, o nosso futuro. Ao olhar para a urna que estará na sua frente, lembre daquele sorriso, aquele sorriso cínico e sarcástico, misturado à dor e a humilhação que passamos todos os dias, seja em postos de saúde, em escolas desestruturadas ou em ruas esburacadas e sujas. Com consciência e um pouco de coragem você saberá o que fazer... Lembre daquele sorriso... Pois, como diria George Orwell, enquanto estamos aqui, nos matando para construir tantas coisas, “eles” estão em seus gabinetes, comendo nossas maçãs e bebendo os nossos leites...
“Querem nos matar de rir, querem nos fazer chorar/
Quem são eles, quem eles pensam que são...
Quem são eles, quem eles pensam que são...”
Engenheiros do Hawaii
Alysson Luiz Freitas de Jesus é professor do Departamento de História da Unimontes e da Rede Privada de Ensino em Montes Claros – MG.
Doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo – USP, publicou o livro “No sertão das Minas”, discutindo a sociedade escravista e política do Norte de Minas no século XIX.
Recentemente, publicou o livro “1808-2009: Interseções”, pela Editora Annablume – SP, onde analisa eventos da atual história política e social brasileira sob a ótica do humor e da análise crítica e engajada dos fatos.
Ainda esse ano publicará o seu terceiro livro, um romance sobre o período do Nazismo e da Queda do Muro de Berlim.


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